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A poesia brasileira na contemporaneidade

Vários são os autores que reiteram a afirmação de que os caminhos da poesia se multiplicaram de tal forma que, não raro, confundem-se com os de outras artes. Incorporando recursos do tempo em que se insere, o poema já não se prende ao tradicional suporte da folha de papel. Para além disso, aventura-se pela tela do computador, pela tv e pelo cinema, sem nos esquecermos das expo­sições em galerias, seja em pinturas, seja em vídeos e instalações. Uma característica em comum? Sabem que é quase impossível não repetir. Nas palavras de Carlos Felipe Moisés, poeta e crítico literário, a produção lírica é um “fazer e refazer”, um “ler, reescrever, escrever e reescrever”, no qual, “todo poema é um exercício de exercícios” e o poeta “um exército de poetas”.

Mas há outros poetas e críticos que, pronunciando-se após 1991, continuam a encontrar na po­esia atual a presença de seus grandes precursores. Maurício Salles Vasconcelos é um deles, vendo, nos concretistas, uma linha hegemônica que alcança poetas dos anos 60 e 70, tais como, Leminski, Bonvicino, Alice Ruiz e Antônio Risério, retomada, também, na geração iniciada nos anos 80, com Josely Vianna, Nelson Ascher e Frederico Barbosa. Ascher, por exemplo, em entrevista concedida ao Estado de Minas, em 2005, não titubeou em afirmar que, à sombra de nomes como Oswald, Drummond e Murilo, bem como, dos concretistas e de Ferreira Gullar, fica-se com a sensação de estar competindo diretamente com o que estes poetas escreveram. Em outras palavras, trata-se, segundo ele, de uma excelência, num passado recente, que impôs, indubitavelmente, obstáculos às gerações futuras.

Por sua vez, todos são unânimes em concordar que a mera leitura da tradição é insuficiente para criar boa poesia. Bons poetas, segundo a crítica, filtram a tradição, “imitam sem se deixar alte­rar”. Alguns, até, quando não têm mais como avançar, voltam atrás, revisitam a tradição, mas com ironia, tornando-se seus próprios referenciais. Outros, dominando diversos idiomas, traduzem poesia e mantêm uma relação frutífera com a música e outras artes. O resultado disso? Enfatiza­rem o artesanato verbal. Tal fato nos leva à consideração necessária de afirmar que, escasseiam, na poesia atual, denominadores comuns suficientes para delinear-se um contorno nítido do que seja a poesia contemporânea.

Esta, irredutível a poucos parâmetros e referenciais, revela-se de caráter plural, permeada de reciclagens e recriações, com todos os estilos convivendo num mesmo espaço e tempo. A metalin­guagem, a preocupação com o próprio fazer poético, o experimentalismo radical, a tendência ao hermetismo, a problematização do eu, a ausência de temas e formas convencionalmente aceitos como poéticos, bem como, um antilirismo, que quase silencia a efusão pessoal, podem ser identifi­cados. Alie-se a isso, por certo, um anseio em transcender o verbal, mesclando-se a outros sistemas semióticos e dispersando o poético em diferentes formas de manifestação artística. Caldeirão em que também se encontram releituras de autores tidos como “obscuros” e “herméticos” de uma anti-tradição, caso de Lezanna Lima, Paul Celan, Francis Ponge e Robert Creeley.

José Paulo Paes já se preocupava, na década de 90, que o verso não podia mais ser visto como uma sucessão regular de sílabas ou pés, nem como um corte imposto pela eufonia rítmica. Pelo contrário. Era sua fuga disso que resolveria a tensão entre a semântica da forma e a semântica do conteúdo. Sendo a arte uma necessidade humana, a poesia contemporânea prima pela busca da voz própria e da comunicação. Poetas contemporâneos, como Alexei Bueno, também crítico, rejeitam a po­esia que joga as palavras ao deus-dará. Irmanado com o também poeta e crítico Carlos Ávila, ambos representam um grupo que busca uma poesia racional e sensível para o homem de hoje.

Neste contexto, ainda que outros poetas vejam a estranheza como uma característica impor­tante, descartam-na caso ela seja responsável pelo isolamento do sujeito poético na contempora­neidade. Mesmo que o próprio espaço lírico se mostre fragmentado como o mercado de massas, é preciso que os poetas lutem por condições de um fazer e recepcionar poéticas que não se dilua na efemeridade. A poesia, hoje, deve marcar presença efetiva na cena cultural. Transformar-se e buscar novas soluções. Apreciá-las, em suas formas diversificadas, e ampliadas, portanto, é um exercício de auxiliá-la a sobreviver nesse tempo de múltiplas e inovadoras mídias.

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