Samanta Duarte Nogueira *
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Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Márcio França reacendeu a polêmica sobre a proibição ou a permissão da caça ao javali no Estado de São Paulo. Imediatamente, a Sociedade Rural Brasileira ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Ao sancionar a lei, sem ouvir os argumentos dos produtores rurais, vítimas da ação destruidora dos javalis em suas propriedades e lavouras, o governador cedeu ao apelo fácil do ano eleitoral. Agiu de forma populista e irresponsável, sem mensurar e considerar os enormes prejuízos que esses animais, que se reproduzem fora de controle, vêm causando à agricultura e ao meio ambiente do nosso estado.
A ação dos javalis é uma ameaça à economia rural, mas também ao meio ambiente e à saúde da população de São Paulo e do Brasil. Permitir que esses animais continuem a se reproduzir de maneira descontrolada é virar as costas para um setor que há muito se mostra como o principal motor da economia paulista e brasileira.
A decisão, tanto dos deputados que aprovaram a lei quanto do governador que a sancionou, tem um fundo claro de interesse eleitoral. Jogam para a plateia, apoiando o discurso do bem contra o mal, dos supostos defensores dos animais contra os que os tratam com crueldade.
Nada mais falso. Pois todos os estudos sérios a respeito do assunto mostram que os javalis se transformaram em uma praga e estão presentes em praticamente todo o país. Esses mesmos estudos apontam os caminhos do controle à expansão descontrolada desses animais como a melhor alternativa para a solução do problema. Não se trata, portanto, de uma disputa entre pessoas bondosas que querem salvar o planeta e outras maldosas que querem matar todos os javalis.
Trazidos ao Brasil, no início do século XX, como uma opção no mercado de carnes, o javali é uma espécie de porco selvagem nativo da Europa, Ásia e norte da África. A adaptação da espécie no nosso País foi imediata. O animal se reproduz com muita facilidade, gerando muitos filhotes em cada reprodução.
Com a baixa aceitação desse tipo de carne pelos brasileiros, os rebanhos foram abandonados, principalmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Livres e soltos na natureza, passaram a se reproduzir de forma fora de controle até chegar no estágio atual. Estima-se que entre javalis e Java porcos – cruzamento do javali com porcos domésticos – existam cerca de 1.000.000 (um milhão) desses animais no Brasil, 500 mil deles no Estado de São Paulo, onde temos uma alta concentração das atividades agrícolas e agropecuárias.
Os javalis são grandes, pesados e naturalmente agressivos. Colocam em risco, além de lavouras, a segurança das pessoas e também de outros animais nas fazendas. A espécie existente no Brasil está classificada como “exótica invasora” que, de acordo com a Convenção sobre a Diversidade Biológica – é definida como aquela que ameaça ecossistemas, habitat ou espécies.
É comum o ataque desses animais a lavouras e rebanhos causando pânico e destruição. Mas não é só isso. O risco mais temido pelos especialistas é a transmissão de doenças, principalmente da peste suína clássica e da febre aftosa. Ou seja, estamos falando em jogar no lixo décadas dos esforços de governos, entidades e da iniciativa privada para conquistar mercados mundiais e atestar a qualidade e sanidade da produção agropecuária brasileira.
Dito isso, todo cuidado é pouco. Um vacilo como o que ocorreu com a lei aprovada por deputados de São Paulo e, não esqueçamos, sancionada de maneira populista e irresponsável pelo governador Marcio França, tende a favorecer o crescimento assustador do rebanho de javalis, causando preocupação não só aos brasileiros, mas também aos países vizinhos que podem ter suas lavouras e rebanhos colocados sob a ameaça de destruição e doenças.
Sendo assim, dada a relevância e a urgência do tema, a Sociedade Rural Brasileira ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal, e com um pedido de medida liminar para suspender os efeitos da lei até o julgamento final da ação. É importante, portanto, que fique claro que o objetivo não é liberar a caça indiscriminada, nem querer matar todos os animais e suas espécies, mas apenas exercer o controle sobre os javalis, prática autorizada e regulamentada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ibama, desde que não seja feita com armadilhas venenosas ou com qualquer outro método que cause sofrimento.
* Advogada e professora universitária, especialista em direito ambiental. Fundamentou a ADI para a SRB