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Cyro Monteiro e seu sapato novo

Recebi um vídeo antigo em que o sambista Cyro Monteiro (28/05/1913-13/07/1973) está no meio de uma galera. Ele can­ta, batuca e conta uma história show de bola – eu sabia que ele havia se mandado, mas não com 60 anos. Dando sonoras risa­das, Cyro conta que quando uma das filhas de Chico Buarque nasceu, ele, Flamengo roxo, mandou de presente pra menina uma camisa do rubro-negro. Chico, Fluminense até debaixo d’agua, quando abriu o embrulho quase teve um piripaque.

Dias depois compôs o samba “Ilustríssimo Sr. Cyro Montei­ro, receita pra virar casaca de neném”. É um belíssimo samba e o velho sambista, na roda de samba, dá o tom com sua caixinha de fósforo, canta rindo e no final diz: “Chico, a menina vai crescer e não vai dar pra segurar, vai ser do Mengão”.

Cyro tornou-se famoso numa época em que o rádio era nosso maior veículo de comunicação. Meu pai mesmo sin­tonizava seu velho rádio em emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro para ouvir seus programas preferidos, era sua distra­ção. Voltando ao sambista, Cyro era o rei do samba sincopa­do, carregava no bolso de seu paletó uma caixinha de fósforo e com ela batucava como ninguém. Li tanto sobre ele que vou escolher uns causos para contar e divertir você que tem o hábito de me acompanhar.

Vou citar aqui dois sambas que ele gravou e que até hoje são tocados. Eu canto ambos nas rodas de samba das quais participo. Trata-se de “Falsa baiana”, do compositor Geraldo Pereira, que ele lançou, e “Se acaso você chegasse”, este de Lupicínio Rodrigues.

Cyro viveu num tempo em que o cantor sobrevivia de pequenos cachês, mal dava para as despesas. Alguns tinham grandes contratos com rádios de nome, mas, como disse, ape­nas alguns. Ele nasceu em uma família de muitos músicos. O pai não, era dentista, primo de Cauby Peixoto. Mas os irmãos eram todos músicos. Também era sobrinho do pianista Nonô, considerado no meio um “Chopin do samba”.

No famoso “Samba da benção”, de Baden Powel e Vinícius de Morais – tem oito minutos –, na parte final em que o “Poetinha” vai declamando e abençoando a todos que ama, ele cita assim: “A benção meu bom Cyro Monteiro, você sobrinho de Nonô”.

Cyro tinha o apelido de “Formigão” porque seu rosto tinha a aparência da cabeça do inseto. Era bonachão, gran­dão, voz grave. Quem não o conhecia pessoalmente sequer imaginava a doçura do ser humano que era. Morava de alu­guel e Vinicius o adorava de tal forma que, um belo dia, deu um telefonema a ele dizendo que precisava que fosse, em sua companhia, ver um apartamento.

Chegando no apê, deram uma geral e Cyro homenageando cada cômodo. Vinicius só rindo, viram tudo e quando iam saindo, o poeta fechou a porta e perguntou: “Gostou, Cyro?” O sambista respondeu: “Maravilhoso”. Vinicius estendeu o braço e com as chaves na mão disse: “É seu, comprei pra você, aceite com minha estima”. Cyro, com todo aquele tamanho, desabou num choro só. Imagino a cena – Vinicius, grande homem.

Contou o jornalista e historiador vascaíno Sérgio Cabral que Cyro havia comprado sapatos novos. Era muito apegado às suas coisas. Num domingo, fora buscar Cyro para assistir seu Vasco jogar. Ele já estava no carro do amigo quando, de repente, disse: “Sérgio, venha aqui comigo.” Entraram na casa, foram até o quarto e o jornalista ficou de cara quando viu Cyro conversando e se despedindo de seu sapato velho, dizendo: “Não fique triste não, outro dia saio com você…”

Sexta conto mais.

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