Entre janeiro de 2017 e junho deste ano, a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos da prefeitura de Ribeirão Preto ingressou com 68 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) – para anular leis aprovadas pela Câmara de Vereadores. Os processos questionam projetos aprovados em antigas e muitos são da atual legislatura, que vai até 31 de dezembro de 2020. No total, são 40 propostas elaboradas por ex-vereadores e mais 28 de parlamentares que estão no exercício do mandato (leia quadro nesta página).
Segundo o levantamento realizado pelo Tribuna, muitas das leis que estão sob questionamento jurídico propõem soluções até plausíveis de serem implementadas pelo município. Um exemplo disto é a nº 14.127, de 21 de fevereiro de 2018, que trata da instalação de sistema de segurança através de câmeras de vídeo, nas escolas municipais, unidades de saúde e em outros órgãos públicos.
Entretanto, por ter sido proposta pelo Legislativo, contém vício de iniciativa e está sendo questionada judicialmente. A argumentação jurídica é que apenas o Executivo tem poder para elaborar leis que gerem despesa. Além disso, quando a Câmara propõe medidas que mexam com o erário, tem de indicar a fonte de receita, sem comprometer o orçamento.
Para o presidente da Câmara de Ribeirão Preto, Igor Oliveira (MDB), as Adins representam a forma independente com que os poderes atuam pela cidade. “A maioria dos projetos são ótimos, com mérito voltado para a cidade. Por isso o colegiado vem insistindo pelas aprovações. Tanto que, o Tribunal de Justiça têm considerado muitas dessas Adins improcedentes e dado ganho de causa favorável ao Legislativo”, garante.
No ano passado, o Órgão Especial do TJSP recebeu 22 ações diretas de inconstitucionalidade contra a Câmara de Ribeirão Preto, movidas pela prefeitura após a promulgação pelo Legislativo de leis que haviam sido vetadas pelo prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB). O número ficou 21,4% abaixo do de 2016, quando a Corte paulista recebeu 28 pedidos de revogação – o maior montante dos últimos anos. Foram seis a menos.
Porém, algumas dessas propostas são resquícios da legislatura anterior que foram questionadas no exercício passado. Em 2006, o Tribunal de Justiça deu o “bicampeonato” à Câmara de Ribeirão Preto por causa das leis inconstitucionais e emitiu um alerta para que os vereadores fossem mais cautelosos ao apresentar projetos com vício de iniciativa, gerador de despesas e outros critérios.
Negociação
Segundo especialistas em direito público consultados pelo Tribuna, uma solução para diminuir a elaboração de leis inconstitucionais seria a negociação direta do vereador com o Executivo. Na prática, significa que antes de elaborar uma proposta com potencial de ser alvo de Adin, o parlamentar deveria conversar com o prefeito, mostrar que sua sugestão é boa e convencê-lo a mandar um projeto de lei sobre o assunto para a Câmara.
Apesar de parecer um trabalho complicado, esse tipo de convencimento não está tão distante da realidade como pode parecer. Na atual legislatura, o vereador Marco Antônio Di Bonifácio, o “Boni” (Rede), negociou com o Executivo a criação do Conselho Municipal de Esportes. Após ser orientado por seu departamento jurídico e pela Comissão de Constituição, Justiça e redação (CCJ) de que a proposta era inconstitucional, o parlamentar retirou o projeto e convenceu a prefeitura sobre a importância da lei.
Resultado: o Executivo enviou para a Câmara um projeto semelhante ao proposto pelo vereador e o conselho foi criado pela lei municipal 2.812. “O melhor caminho é pontuar os problemas, mas também dar a solução. E é isso que eu tenho feito como vereador“, afirma “Boni”. Contudo, especialistas ressaltam que não é recomendável querer elaborar projetos como o que gerou a lei complementar nº 406.
Aprovada em 12 de dezembro de 1994, a lei obriga a prefeitura a fornecer água potável para todos moradores de Ribeirão Preto, ainda que residentes em favelas ou habitações irregulares. Apesar de ser politicamente correta, a proposta é alvo de ação direta de inconstitucionalidade por ofender os princípios da legalidade, finalidade, eficiência e razoabilidade do interesse público.
Muitos anos depois
Embora pareça estranho, o fato de que leis aprovadas em outras legislaturas ainda estejam na mira da Secretaria de Negócios Jurídicos, anos após sua aprovação, tem explicação técnica. As Adins são ajuizadas no momento em que a inconstitucionalidade é detectada. Ou seja: na aplicação efetiva e prática da legislação.
Por isso, nem sempre as datas da aprovação da lei e das Adins são coincidentes. Vale ressaltar que todas as ações de inconstitucionalidade foram impetradas no Tribunal de Justiça de São Paulo, que tem jurisprudência formada para analisar os pedidos de nulidade.
Adins entre janeiro de 2017 a junho de 2018
Ano de aprovação da lei Total
1994………………………………….02
2004………………………………….01
2007………………………………….01
2011………………………………….01
2012………………………………….01
2014………………………………….01
2015………………………………….05
2016………………………………….28
2017………………………………….22
2018………………………………….06
Total………………………………….68
(Fonte: Secretaria Negócios Jurídicos)
‘População fica na incerteza’
Na grande maioria dos casos, as proposituras apresentadas pelos vereadores atende ao interesse público, mas desatende a competência legal para tratar de matérias feitas exclusivamente ao Executivo Municipal, nos termos previstos na Constituição Federal, Constituição Estadual e Lei Orgânica do Município.
Os vereadores e os membros da Comissão Permanente de Justiça e Redação deveriam agir com mais critério na apresentação de projetos de lei polêmicos e de duvidosa constitucionalidade, realizando estudos comparativos com a jurisprudência predominante do Tribunal de Justiça.
A iniciativa de projetos flagrantemente inconstitucionais, que posteriormente serão expurgados do mundo jurídico, não reflete a qualidade da vereança e a produtividade dos vereadores.
O elevado e crescente número de Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) interpostas pelo Executivo Municipal acarreta insegurança jurídica no Município, pois a legislação municipal fica à mercê de decisões judiciais, com a concessão e cassação de medidas liminares, sentenças de mérito, recursos, etc.
É preciso que os setores organizados da sociedade e os munícipes em geral tenham pleno conhecimento das leis municipais válidas e aptas a serem executadas e efetivamente obedecidas.
Não nos esqueçamos que a Câmara de Ribeirão Preto, há duas décadas, foi agraciada com o título de “Campeã Paulista de Leis Inconstitucionais”, justamente pela insistência dos vereadores em apresentar projetos de lei da alçada privativa do Poder Executivo.
Enquanto o Poder Executivo e a Câmara Municipal travam essa disputa no Judiciário, a população fica na incerteza, sem saber ao certo quais leis municipais estão produzindo seus efeitos legais e quais foram retiradas do mundo jurídico por vício de iniciativa.
Certamente, essa não é a melhor forma de exercer a vereança e aperfeiçoar a legislação do Município de Ribeirão Preto.
* Advogado com
especialização em
Direito Público