Por volta do século XVIII, ocorreu na Itália, na França, na Espanha e em Portugal uma percepção e apreensão da realidade fortemente influenciada pela filosofia iluminista, segundo a qual apenas a razão, aliada ao método científico, poderia fornecer as bases do progresso do conhecimento. Seu nome? Arcadismo. Em Portugal, o contexto da reforma educacional Pombalina e da reforma universitária, inspirando os árcades a combaterem o cultismo e conceptismo barrocos, pregavam que a imaginação deveria ser subordinada à razão. No Brasil, Silva Alvarenga, nascido em 1749 em Ouro Preto, com a ajuda de amigos estudou Humanidades no Rio de Janeiro, bacharelando-se em Direito, em Coimbra, onde conviveu com outro brasileiro, Basílio da Gama, também nascido em Minas Gerais (Tiradentes) em 1741.
Por que nos referimos a eles? Porque foi de Silva Alvarenga, segundo Lilia Schwarcz, uma das maiores bibliotecas do Rio de Janeiro na época, com 1576 volumes. Destes, ainda que um terço fosse dedicado a obras sobre direito, o restante foi caracterizado como obras gerais e, dentre estas últimas, era extensa a lista de livros que só poderiam ser lidos com autorização da censura, e não menor a lista dos exclusivamente proibidos. Deixados à “preta Joaquina, herdeira e testamenteira de Silva Alvarenga”, foram vendidos a Manuel Joaquim da Silva Porto, livreiro português que, à época, encontrava-se estabelecido no Rio de Janeiro.
Esta coleção de Silva Alvarenga, à semelhança de muitas outras, tiveram um destino singular: foram absorvidas pela Real Biblioteca Portuguesa vinda ao Brasil em três viagens sucessivas, por ocasião da evasão de Dom João de Portugal. Ainda segundo Schwarcz, entre dezembro de 1817 e janeiro de 1818, o artista francês Étienne Victor Arago, em visita ao Brasil, conheceu a Real Biblioteca, assim se manifestando sobre ela: “Eu venho da Biblioteca e o primeiro olhar é satisfatório. Podem ser contados 70 mil volumes em geral bem escolhidos.” Reclamações? Sempre existem. Arago, na continuidade de seu depoimento, queixa-se dos funcionários que cuidavam de tal acervo. Segundo ele, seu diretor e auxiliares mal conheciam a literatura portuguesa e a cultura em geral. A despeito disso, faz,o mesmo, uma ressalva: o prazer que aqueles tinham em apresentar aos visitantes o rico acervo que ali se encontrava. Da obra completa de Voltaire aos livros intocados do príncipe Miguel, Arago foi apresentado a livros de poesia, livros de direito, livros proibidos.
Ao longo de 1818, segundo especialistas, a Real Biblioteca Portuguesa incorporou o acervo do arquiteto português José da Costa e Silva. Composto por estampas, desenhos, camafeus, livros de arte, de literatura e de história, reunia,em um só local, todo um conjunto europeu de gosto apurado, que só enriquecia o acervo que, então, firmava assento em terras brasileiras. Religiosos da época, afeitos aos cuidados que uma biblioteca exigia, deixaram registrados depoimentos valiosos sobre as mesmas. Um deles? O que afirma serem as bibliotecas um meio eficaz para o progresso do espírito humano. O que as fazem funcionar? Ações crescentes de hábitos de leitura. Sem estes? São apenas troféus a serem erguidos. “Acervo que é acervo não pára de crescer”.
Ainda no Rio de Janeiro, estudiosos do assunto destacam a biblioteca de Mariano José Pereira da Fonseca, com 97 volumes sobre assuntos variados, e a biblioteca dos inconfidentes cariocas, como Jacinto José da Silva. No restante, colégios, conventos e mosteiros possuíam bibliotecas bem fornecidas de livros religiosos e científicos. No restante do país? Bibliotecas com predomínio de autores franceses ou com obras diretamente ligadas às profissões de seus proprietários. Ao padre Francisco Agostinho Gomes (1769-1842) coube, na passagem do século XVIII para o século XIX, a maior biblioteca particular existente na província da Bahia, no Brasil. Em seu acervo de milhares de livros? Buffon, Thomas Paine, D’Alembert, Adam Smith e outros de história, economia, filosofia, ciência natural e populares narrativas de viagens.
As livrarias? Raras. Em 1799, apenas duas no Rio de Janeiro. Na Bahia, apenas três. E com os livros que entravam de modo legal ou ilegal na colônia, crescia um novo comércio: o de estantes, papeleiras, mapas, enfeites, canetas de pena, tinteiros, livros falsos de guarda dourada e objetos de arte e de música sacra. Ao lado dos livros, música, pintura e escultura, entre outras artes, sempre tendo garantida presença. No decorrer dos anos, a Real Biblioteca passou a fazer parte do Brasil, vindo a se chamar Biblioteca Nacional, e tornando-se, nas últimas décadas do século passado, segundo a Unesco, a oitava instituição do gênero no mundo.