Por Lúcia Guimarães
Por que sorria o produtor Harvey Weinstein, na manhã de sexta-feira? Algemado, estava a caminho de um tribunal nova-iorquino, onde ouviria uma juíza anunciar as primeiras duas acusações de estupro e assalto sexual, no que pode ser o começo de uma fila de processos criminais como potencial de décadas de prisão no horizonte. A galeria de mulheres que acusam Weinstein inclui Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Salma Hayek, Mira Sorvino, Annabella Sciorra e mulheres anônimas da indústria do cinema, como assistentes, produtoras, atrizes aspirantes.
O mais poderoso produtor independente da história de Hollywood, aos 66 anos, é um pugilista acostumado a arriscar alto, perder muito e se recuperar de nocautes. Mas, desta vez, o sorriso de Weinstein, saindo da delegacia, não parecia justificado, a não ser como reação nervosa. Seu advogado, o veterano Benjamin Braffman, disse que ele vai se declarar inocente e espera ser completamente exonerado das acusações que vão muito além das acolhidas, no momento, pelo promotor de Manhattan na sexta-feira e envolvem apenas duas mulheres. Ao todo, são mais de 80 acusadoras em vários países, ao longo de mais de três décadas.
Não há precedente histórico para a rapidez da propagação e a amplitude de um movimento como o #MeToo, cuja centelha foi uma reportagem no New York Times, no dia 5 de outubro de 2017, sob o título Harvey Weinstein pagou acusadoras de assédio sexual durante décadas. Cinco dias depois, a revista New Yorker publicou alegações de estupro feitas pela atriz italiana Asia Argento e a atriz aspirante Lucia Evans, cujo caso faz parte da acusação formal hoje, em Nova York. É possível – e previsível – que a defesa de Weinstein use a onipresença do #MeToo para tentar impugnar o processo de escolha dos 12 jurados em Nova York e as chances de um julgamento despoluído de preconceito.
A carreira de Harvey Weinstein começou no final dos anos 1970 e é impossível narrar a história do cinema americano, a partir da década de 1990, sem tropeçar em um dos filmes que ele produziu. A lista é longa , começa com Pulp Fiction, passa pelo Paciente Inglês e se estende além de Álbum de Família.
Com o irmão Bob, hoje revelado cúmplice no silêncio sobre seu comportamento, Harvey Weinstein fundou a Miramax, em 1979, e garimpou o melhor do talento não cooptado pelos grandes estúdios Depois dos anos 1980, em que a Miramax só acumulava prestígio, Oscars e bilheteria, a venda do estúdio para a Disney, em 1993, se revelou uma futura fonte de conflito sobre orçamentos e independência criativa. Os irmãos Weinstein se divorciaram da Disney em 2005 e Harvey passou a se concentrar em novas mídias, enquanto produzia um fracasso atrás do outro. Mas, sob a nova companhia Weinstein Co, a sorte mudou em 2010 com O Discurso do Rei, sucesso crítico e Oscar de melhor filme do ano, além de melhor diretor, roteiro e ator, Colin Firth. A volta por cima em criatividade e bilheteria pode ter contribuído para sensação de invencibilidade.
Weinstein, além de pagar pelo silêncio de mulheres, conseguiu sufocar esforços de repórteres investigando rumores há mais de uma década. Usou advogados poderosos, cortejou o establishment liberal, doou para causas nobres e até empregou ex-agentes da Mossad israelense para espionar e intimidar mulheres que alegam ser suas vítimas.
O escritor F. Scott Fitzgerald, autor de O Grande Gatsby, escreveu que não havia segundos atos na vida americana. Harvey Weinstein teve o seu, como protagonista maior da chamada fábrica de sonhos. Em Nova York, amigos e ex-amigos comentam entre si que Weinstein parece viver numa bolha de negação sobre a gravidade do futuro que enfrenta. O que está sendo fabricado para ele, no momento, pela justiça americana, é um pesadelo.