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Radiohead: maturidade transformada em arte

Por Pedro Antunes

Dos 15 aos 45 anos, o Radiohead tem uma canção para acompanhar você neste exato momento da sua vida. Não é exagero, é fato. Banda de rock que mais se adaptou à maturidade da vida adulta, e tudo que ela carrega consigo, ao longo de 33 anos de existência, os ingleses expressam em música o que, mortais, sentem, por vezes, sem saber a origem. Transformar mudanças em arte, para Thom Yorke e companhia, parece fácil.

Como foi mostrado na noite deste domingo, 22, no Allianz Parque, no retorno da banda à cidade de São Paulo, nove anos depois da sua apresentação. Com um novo disco, o sofrido A Moon Shaped Pool, lançado em 2016, o Radiohead entregou mais um capítulo dessa narrativa da vida transformada em canções. Como contos, cada álbum expressa um período da existência. Agora, Yorke sofre com o fim de um casamento. Sofre e, ao mesmo tempo, entende. Coisas que só quem beira os 50 anos de vida sabe compreender – faz da derrota um momento de reflexão, mais do que de lágrimas, como anos atrás.

O mote, agora, é esse. São sujeitos na beira dos 50 anos a revisitar o repertório construído ao longo de pouco mais de três décadas de banda – sempre sem pressa ou sem se curvar ao mercado, tão predador quanto demolidor. Se o britpop, liderado por Blur e Oasis, estava em voga naqueles anos 1990, o Radiohead se entregou à melancolia sem medo, em Pablo Honey e The Bends. Mais guitarreira, sim, mas a juventude é assim, cheia de hormônios para gastar. Tantos anos depois, contudo, revisitar esses momentos provoca reflexão e entendimento.

A volta ao Brasil chega em um momento diferente do Radiohead. Seus discos, agora, levam anos a chegar. São minimalistas, atmosféricos e preciosamente discretos. Insanos, na mesma medida, afinal a loucura não nos deixa, mas ela se manifesta de formas diferentes – e lidamos com ela de outro jeito, também. Quando Thom Yorke canta No Surprises, do disco OK Computer, a descrença ganha outro peso: “No alarms and no surprises/ Silent, silent” (algo, em tradução livre, como: “sem alarmes, sem surpresas / silêncio, silêncio”). Percebem?

A atmosfera parede ser outra diante do Radiohead. O relógio se transforma, os segundos são minutos, e as horas demoram. Em sua versão atual, a banda cria um universo particular, destruída, em dado momento, pelo telão do lado direito do palco, que deixou de funcionar e exibiu uma tela cor verde limão. Apagados, os dois, restou ao público mais distante ser impactado pelo som, já que estava sem a chance de ver a banda de perto.

Mas o Radiohead resiste. Supera. Nunca foi sobre Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brian e Philip Selway, mas, sim, a forma como eles sempre foram capazes de transformar a existência em arte. Dores em climas, risos em solos, como se escrevessem a existência nesses discos. Por isso, suas apresentações são organismos vivos, não se repetem, embora algumas canções estejam sempre presentes. Como numa roda com amigos de longa data, sentados numa tarde de sol num bar qualquer, as histórias por vezes se repetem, as lembranças voltam, mas o presente toma conta da conversa. No caso dos integrantes do Radiohead, o presente gira em torno de um hoje amargo, mas muito mais compreensível. Portanto, A Moon Shaped Pool protagoniza as ações da banda. Dele vêm, por exemplo, Datdreaming, linda e melancólica faixa escolhida para abrir o show, e The Numbers, duas canções que se relacionam muito mais com o atual momento do grupo no palco.

Eles não esquecem o que fizeram por completo, é claro. Nove anos de ausência dão, ao público brasileiro, o salvo conduto de poder receber canções há muito deixadas fora do repertório costumeiro da banda. A atenção da banda também se direciona ao In Rainbows, álbum de 2007 que deu um nocaute em uma já cambaleante indústria fonográfica ao ser lançado diretamente na internet, no esquema “pague quanto quiser”.

Na zona limítrofe do pop, o álbum é a coalizão perfeita do experimentalismo e do coração pulsante. A partir dele, o Radiohead se permitiu criar com menos, mais silêncios e espaços vazios em suas canções – The King of Limbs (2011) e A Moon Shaped Pool (2016) são contemplativos. Não negligenciam o passado, contudo, prestam homenagem. OK Computer, disco eleito entre os melhores dos anos 1990, representa o entendimento de que a distopia da ficção científica não é tão distante quando o assunto são relações humanas, traz o retrato da beira dos 30 anos. Dele, são tocadas, por exemplo, Exit Music (For a Film), No Surprises e Paranoid Android. Heil to the Thief, de 2003, representa a tomada de consciência da geopolítica e dos problemas globais – 2 + 2 = 5 e There There são os destaques.

Fake Plastic Trees, executada ao final do show, soa como uma lembrança de um tempo que não existe mais. De The Bends, de 1995, a canção já tem um impacto nostálgico. O que era sofrido hoje ainda é amargo, mas nada mais que isso. Com ela, o Radiohead se despede. Como aquele papo de fim de bar, quando as dores de expõem e percebe-se que a ferida, hoje, é cicatriz. O Radiohead, da atualidade, é sobre entendimento. O que passou, ficou. Radiohead encara as cicatrizes, mas não sofre mais por elas. Maturidade, afinal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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