“Meu chapéu do lado, tamanco arrastando, lenço no pescoço, navalha no bolso, eu passo gingando, provoco e desafio, eu tenho orgulho em ser tão vadio”.
Com estes versos do samba “Lenço no pescoço”, Wilson Batista, “o Cabo”, como os amigos gostavam de chamá-lo, enaltecia o malandro de camisa de seda e navalha no bolso, o que lhe valeu um “pito” das autoridades do Estado Novo, apreensivas com a apologia da malandragem que fazia em seus sambas.
Fotógrafo, cronista, repórter musical instintivo, Wilson alimentava sua vastíssima obra sobre o cotidiano carioca. Seus sambas focalizavam e guardavam para a memória cultural do país, tipos como o malandro de navalha e lenço no pescoço, a prostituta da Lapa e do Mangue trabalhando para o seu homem e o operário “otário”, tipos que foram desaparecendo aos poucos, até se tornarem figuras do folclore urbano.
Durante toda a década de 1930, o sambista utilizou a malandragem como tema principal dos seus sambas, o que lhe rendeu vários sucessos, tais como “Desacato”, seu primeiro sucesso em 1933, “Eu vivo sem destino”, “Barulho no beco”, e por último “Lenço no pescoço”, que deu início à polêmica mais famosa do mundo do samba com Noel Rosa.
Por volta de 1940, sua temática mudou, por conta de suas parcerias, e, principalmente devido à influência de um decreto do governo ditatorial de Vargas, que proibia a exaltação da malandragem. Nessa época o sambista elegeu Cyro Monteiro e Aracy de Almeida como seus dois intérpretes favoritos.
Com Cyro obteve grande sucesso em 1940 com o samba “O bonde São Januário”, parceria com Ataulfo Alves, que tinha uma letra de exaltação ao trabalho e que foi muito cantado no carnaval seguinte, seja com a letra original, seja com a alteração feita pela população, que em lugar de cantar “O bonde São Januário, vai levar mais um operário, sou eu quem vou trabalhar”, passou a cantar: “O bonde São Januário, vai levar mais um otário, pra ver o Vasco apanhar”.
Em 1941, Wilson teve um samba lançado por Aracy de Almeida, “Eu não sou daqui”, parceria com Ataulfo Alves. Nesse ano, fez com Moreira da Silva o samba “Esta noite eu tive um sonho”, gravado por Moreira, e com Haroldo Lobo a marcha “Essa vida não é sopa”, gravada por Patrício Teixeira. Também no mesmo ano, Vassourinha gravou com grande sucesso na Columbia o samba “Emília”.
Semi-alfabetizado, mas com uma grande facilidade para criar, Wilson se tornou um dos mais importantes sambistas da música popular brasileira. Mesmo sem tocar instrumento, ele era capaz de criar letras maravilhosas e melodias que impressionavam os grandes mestres. As letras oportunas e melodias perfeitas o levavam a compor sobre os mais variados assuntos, temas das discussões do momento, um cronista musical a tirar habilmente de cada situação a necessária inspiração para mais um sucesso popular.
A polêmica com Noel Rosa rendeu-lhe mais cartaz ainda e a obsessão pela malandragem o fazia vestir-se muito bem, terno de linho, camisa de seda pura, cachecol branco jogado sobre os ombros e a navalha no bolso, que na verdade ele nunca usou, mas que compunha o tipo, já que não existia malandro que não carregasse uma.
Antes de falecer, no ano de 1968, foi convidado a participar da Bienal do Samba em São Paulo, criada pela TV Record, mas sua música acabou chegando atrasada e não foi incluída no festival. Por solicitação do crítico Ricardo Albin, contudo, ele foi homenageado na finalíssima do evento com um potpourri dos seus maiores sucessos. Esta seria a última homenagem pública que foi prestada enquanto ele ainda vivia.
Ao ser internado no Hospital Souza Aguiar, onde faleceu em 7 de julho de 1968, o sambista deu o seu último pronunciamento, coerente com a maneira de viver que escolhera: “Se eu soubesse que ia morrer agora, teria vendido todo o meu repertório e ia me acabar em Paris, com mulheres bonitas.”
Wilson Batista, compositor de centenas de sambas de sucesso, ao morrer, estava em situação de penúria, não tinha nem lençol em sua cama e recebia apenas setecentos cruzeiros a cada dois meses, de direitos autorais.
Salve Wilson Batista!