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Sócrates, ‘Jair Paulada’ e o timaço do Botafogo F.C.

Fim de ano, eu estava em Caraguatatuba, litoral norte paulista. Levava aquele lero com o garçom de um quiosque show de bola quando disse que era de Ribeirão Preto. Ele contou que, dias antes, serviu um cara que havia jogado com Sócrates no Botafogo, atualmente morava em São José do Rio Preto. Opa, logo me interessei pois sabia que o zagueiro “Jair Paulada”, que fez parte daquele timaço do Botafogo F.C. dos anos 70, morava nessa cidade.

Perguntei ao garçom se o jogador falou o nome dele. Respondeu na bucha: disse que era “Jair Paulada”. Lembro-me bem, era um negro muito simpático, alegre, de bem com a vida. Disse ao garçom que Jair havia jogado sim com Sócrates. A partir daí ele me deu a maior atenção, quando tinha uma folguinha chegava perto e perguntava sobre os dois – Sócrates e “Jair Paulada”.

Contei a ele que conhecia “Jair Paulada” só de ver jogar e a razão do apelido era porque ele não amaciava a jogada, não! Chegava junto, mas era leal. Saí do quiosque bem à tardinha decidido a escrever uma crônica falando de Jair e Sócrates, mas antes eu precisava localizá-lo. Passei um “zap” pro meu amigo, Coronel Furlaneto, que deu aquela força. No outro dia já estava ligando pro Jair. Adorei o papo. Ele, assim como eu, sente uma saudade sem fim de Sócrates e também se emociona ao falar do amigo.

“Jair Paulada”, hoje com 71 anos, chegou ao Botafogo em 1976. Ficou um ano, mas o América não renovou o empréstimo. Ele lamenta não ter participado da conquista de 1977. Lembrou que ao entrar no Pantera foi maravilhosamente recebido por Sócrates, que de cara o apelidou de “Bala Chita”, uma referência a uma bala que era produzida aqui e tinha a estampa de uma macaquinha.

Com o passar dos dias, Magrão tirou o “Chita” e passou a chamar Jair só de “Bala”. Era “Bala” pra cá, era “Bala” pra lá, e os dois passaram a ser parceiros de boemia. “Bala” morava na Casa do Atleta, onde o Botafogo abrigava jogadores solteiros. O ex-técnico José Guillermo Agnelli, um argentino linha dura, tomava conta e vivia azucrinando “Bala” por chegar de madrugada. Dizia o gringo: “Tá andando com Sócrates, hein, neguinho?” “Bala” ficava na dele.

“Bala” e Sócrates eram companheiros de quarto nos hotéis deste Brasil afora. O zagueiro conta que o Doutor fumava muito e ele o aconselhava a pitar menos – afirma ter atingido seu objetivo. “Bala” contou que um dia foram jogar em Curitiba. Lá jogava seu amigão Jairo, goleiro de seleção brasileira que depois foi para o Corinthians. Jairo conhecia bem a noite curitibana e levou “Bala” e Sócrates pra boemia. Todo mundo chegou de madrugada, o técnico já era Jorge Vieira, que ficou uma fera.

Depois foram jogar contra o América de Natal (RN). “Bala” e Sócrates saíram pra dar um banho na garganta e chegaram de madrugada, mas a diretoria deu uma enquadrada só nele, ameaçando-o de dispensa. “Bala” chegou no quarto e contou a Sócrates, que o acalmou, dizendo: “Bala, pra mandar você embora, terão que mandar a mim também, e eles não são loucos. Amanhã vou arrebentar no jogo e eles esquecerão esse papo.” O Botafogo ganhou de 3 x 0… três gols do Magrão. Depois dessa, até o Kiko Calil, que era diretor do Pantera, passou a andar com eles, diz “Bala”.

“Bala” lembrou que o bicho por vitória era maravilhoso. De Natal foram jogar com o Cruzeiro, em Belo Horizonte. O jogo ficou zero a zero. Sócrates perdeu um pênalti e “Jair Paulada” fez outro, que Aguillera defendeu. Já no vestiário, Sócrates lamentou, dizendo: “’Bala’, roubei o bicho de vocês, mas em Uberaba vou devolver, você vai ver”. Segundo “Bala”, Sócrates deitou e rolou neste jogo, fez dois gols e deu o bicho pro massagista Cebinho e pro roupeiro, como sempre fazia.

Tempos depois, “Bala” foi rever o amigo no Corinthians e Sócrates o abraçou como se abraça a um irmão. O Doutor quis sair à noite e Jorge Vieira, que também era técnico do Timão, disse: “Ihh… Vai dar zebra, amanhã o Sócrates não aparece pra treinar”. Riram muito. “Bala” contou muito mais e confessou amar o Botafogo com todo seu coração.

Sexta conto mais.

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