Apesar dos vários casos de servidores efetivos que exercem outros serviços, contratados para ocupar determinado cargo e que atualmente exercem funções totalmente distintas, a Câmara de Ribeirão Preto nega a prática e diz que se trata de “realocação”.
A história dos supostos “desvios de função” ou “realocação” é legal, segundo a Câmara. Há vários casos de pessoas aprovadas em concurso para porteiro ou auxiliar legislativo que desempenham outras atividades. O que intriga a sociedade é porque o Legislativo contratou tanta gente se já sabia que não haveria trabalho para todo mundo?
O Parlamento ribeirão-pretano promoveu dois concursos, em 2013 e 2104, para porteiro (agentes de operações) e auxiliar legislativo, com uma vaga disponível cada, exigência do diploma do ensino fundamental e salários pouco superiores a R$ 1,3 mil e R$ 1,6 mil, respectivamente. Uma advogada, ex-mulher de um ex-vereador, passou em 19º lugar na prova para porteiro. Para poder contratá-la, a Câmara, então presidida por Cícero Gomes da Silva (MDB) – um dos nove ex-parlamentares afastados na Operação Sevandija e que nega a prática de crimes –, chamou 16 que estavam á frente dela. Dois desistiram.
Ela nunca abriu ou fechou as portas para alguém no Legislativo. Teve de ser “realocada” em outro departamento. No ano seguinte (2014), ainda sob a presidência de Cícero Gomes, novo concurso com uma vaga disponível, agora para auxiliar legislativo, nível ensino fundamental e salário de aproximadamente R$ 1,6 mil. Porém, outros 13 foram contratados para acomodar outro apadrinhado da “turma”, efetivado no mesmo ano.
Graças a um artigo que já foi revogado, essas pessoas aprovadas nesses certames incorporaram aos salários de porteiro e de auxiliar o que ganhavam antes, quando eram apadrinhados de algum parlamentar. O salário de porteiro, que deveria ser de R$ 1,3 mil, hoje é superior a R$ 20 mil. O auxiliar legislativo recebe mais de R$ 26 mil por mês.
A Mesa Diretora da Câmara de Ribeirão Preto publicou, na edição do Diário Oficial do Município (DOM) de 22 de janeiro, um ato que discrimina como serão gastos os R$ 69,5 milhões do orçamento da Casa de Leis par este ano – aporte de R$ 3,9 milhões em relação aos R$ 65,6 milhões de 2017, crescimento de 4,9%.
O ato nº 435 prevê despesas de R$ 69,48 milhões, sendo que 65% dos recursos serão usados para o pagamento de salários, subsídios, aposentadorias, pensões e direitos trabalhistas– cerca de R$ 48 milhões. A Câmara tem 98 servidores efetivos, com salário médio acima de R$ 8 mil, e mais 135 assessores parlamentares lotados nos 27 gabinetes dos vereadores.
Em 28 de dezembro, os secretários municipais Nicanor Lopes (Governo e Casa Civil) e Manoel e Jesus Gonçalves (Fazenda) receberam, no Palácio Rio Branco, o então presidente da Câmara, Rodrigo Simões (PDT), e o então vice-presidente da Casa de Leis, Marco Antonio Di Bonifácio, o “Boni” (Rede Sustentabilidade), que entregaram um cheque simbólico no valor de R$ 13,14 milhões referente à economia de recursos no Legislativo em 2017.
No ano passado, Simões revelou que há vários casos de porteiros aprovados nesses “concursos coração de mãe” que exercem outras funções. “Não tem porta pra todo mundo”, disse à época. Segundo o ex-presidente do Legislativo, apenas quatro servidores estavam lotados de fato na portaria, uma vez que o local não suporta mais do que esse número de funcionários. Os outros 13, segundo o pedetista, estariam espalhados pela Casa de Leis.
O Tribuna questionou a Coordenadoria Administrativa para que informasse quais os servidores em desvio de função, as atribuições atuais e quais as resoluções, portarias ou atos da Mesa Diretora que autorizaram a prática. Mas o Legislativo segue afirmando que “não existe desvio de função na Câmara Municipal”.
O presidente da Câmara de Ribeirão Preto, Igor Oliveira (MDB), encaminhou ao Tribuna nota sobre o desvio de função. Ele confirma a “realocação” de servidores aprovados no concurso para porteiro e diz que a prática não caracteriza desvio de função. Afirma, ainda, que não há ilegalidade nisso e que a medida “não onera os cofres públicos”. Os 17 porteiros, contratados em concurso que oferecia salário de R$ 1.336, recebem em média R$ 7,8 mil.
A íntegra da nota diz que “devido às necessidades de demandas inerentes à máquina administrativa, aqueles que passaram no referido concurso acabaram sendo realocados em outros departamentos. Não há impedimentos legais para isso, uma vez que o agente de operações pode prestar ‘apoio operacional para tarefas específicas da área em que estão lotados’. Dessa forma ficam ampliadas as possibilidades de trabalho dentro do Legislativo.”
E prossegue: ”Apesar do concurso inicialmente prever a portaria como o setor de lotação, o edital também previu a criação futura dos cargos necessários dentro da Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Portanto, a lotação dos agentes de operações nos diversos setores administrativos da Câmara não configura desvio de função, ao contrário, demonstra o correto aproveitamento dos recursos humanos com a otimização da máquina pública, sem abrirmos novos concursos e, consequentemente, sem onerarmos os cofres públicos. or fim, afirmo que todos, sem exceção, cumprem diariamente suas funções e, comprovadamente, demonstram ter condições para tal.”
Comissão de Transparência – O mesmo questionamento foi encaminhado ao gabinete de Luciano Mega (PDT), presidente da Comissão Permanente de Transparência (CPT), há duas semanas, em 7 de março. Em nota, o vereador informa: “Como presidente da CPT (Comissão Permanente de Transparência), todas as mensagens que chegam via e-sic na Câmara não são repassadas aos membros da comissão, não temos conhecimento. Isso será levado para discussão na próxima reunião da comissão. O que é recebido pelo e-mail funcional do gabinete, no caso específico deste tema, também será levado para discussão na próxima reunião da comissão”.