Por Paula Reverbel e Pedro Venceslau
Medidas provisórias ou decretos elaborados pelo governo de Jair Bolsonaro acumulam, já nos primeiros 135 dias de governo, 30 contestações no Supremo Tribunal Federal, de acordo com levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo. Entre as normas que são alvo de contestação estão o decreto que determinou o contingenciamento das universidades federais, os decretos polêmicos, como o que trata de posse e porte de armas, e a medida provisória que proíbe desconto de contribuição sindical em folha.
Para técnicos e ex-ministros, as regras propostas pelo governo Bolsonaro mostram açodamento e falta de rigor técnico, que se traduz em maior judicialização. Analistas também criticam a falta de “qualidade logística”, ou seja, a forma como uma norma é elaborada – separada em artigos, parágrafos, alíneas e incisos, visando a clareza.
Um dos casos é o do decreto que ampliou o direito de porte e posse de armas, assinado na última semana e questionado até pelo Ministério Público Federal (MPF). A possibilidade de que o decreto das armas tenha itens inconstitucionais não foi descartada pelo chefe de assuntos legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Vladimir Passos de Freitas. “Foi tudo muito rápido. Não houve a oportunidade de um aprofundamento”, afirmou ele nesta semana ao UOL, ao comentar a legalidade do decreto.
O texto publicado não leva a assinatura do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, um dos principais responsáveis pelo processo de elaboração normativa do governo.
“O atual chefe da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça deu uma declaração dizendo que o decreto de armas estava cheio de inconstitucionalidades, mas, como era um desejo do presidente, não tinha o que fazer. É uma omissão da sua missão de chefe de Secretaria de Assuntos Legislativos para contemplar o chefe porque ele quer. Como é um compromisso de campanha, quer que saia assim mesmo. Fazem isso apressadamente, não têm cuidado. Não há nenhuma preocupação com aspecto formal”, disse o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça.
Segundo Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da FGV, uma norma que entra em conflito com uma regra superior vai ser derrubada pelo Congresso ou pelo Poder Judiciário. “A técnica jurídica do governo deixa a desejar. O governo vem incidindo em dois erros: usa decretos e MPs (medidas provisórias) para elaborar normas que teriam que passar pelo Congresso – na forma de projetos de lei ou propostas de emenda constitucional – e atropela órgãos técnicos responsáveis pela qualidade técnica das regras.”
Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça entre 2014 e 2016, o advogado Gabriel Sampaio disse que, naquela época, o trâmite era bem mais lento para que o debate pudesse ser ampliado.
“Tínhamos uma proposta de trabalho que implicava a abertura à participação da sociedade civil, ampliação do envolvimento da academia por meio de editais de estudos normativos e consultas públicas”, afirmou.
Para Torquato Jardim, ex-ministro da Justiça de Michel Temer, o processo era mais apurado na gestão anterior. “Cada governo tem um estilo. No governo Temer, as matérias vinham dos ministérios especializados e passavam pela Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, sob o comando de Gustavo Rocha. Ele fazia a coordenação e verificava se era preciso ouvir outro ministério “
Comparação
O número de contestações no STF já supera a quantidade de ações propostas no início de mandato – considerando o mesmo período de tempo – da petista Dilma Rousseff (2) e do emedebista Michel Temer (6). Bolsonaro editou mais decretos que seus dois antecessores (135, ante 78 de Temer e 55 de Dilma) na comparação com os primeiros 135 dias de governo. No mesmo período, o atual presidente editou 13 MPs, ante 21 do emedebista e 12 da petista
Defesa. Segundo a Casa Civil, no governo Bolsonaro os atos normativos são propostos pelos ministérios setoriais, que encaminham à Presidência da República um parecer de mérito que atesta a constitucionalidade da proposta.
Esses pareceres são encaminhados à Casa Civil, que dá a palavra final para mérito e para constitucionalidade dos atos. Questionada sobre as contestações, a assessoria do ministério respondeu que “contestação de atos normativos é algo corriqueiro e faz parte da dinâmica política”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.