Do outro lado da vida – A história de Nelson Gonçalves
O programa Larga Brasa completa em maio seus 54 anos de existência. Por conta das entrevistas que realizávamos nas cadeias, presídios e fundações que abrigavam menores sempre tivemos oportunidade de conhecer o outro lado das pessoas, particularmente as que delinquiam. Sempre tinham um motivo, real ou imaginário que as impulsionavam a transgredir as regras legais. Na época havia um cantor denominado “Cantor das Multidões”, cuja voz atingia a registros incríveis, admirado também por astros internacionais como Frank Sinatra e outros da época. Por onde passava enchia todos os espaços das casas de espetáculos em que realizava seus shows. A vida de Nelson Gonçalves, este o seu nome, era plena de apresentações. Boates, cinemas, praças públicas e grandes estádios de futebol. A sua voz preenchia os locais e reverberava por toda a cidade em que era aplaudido. As músicas eram executadas em todas as classes sociais. A televisão ainda engatinhando se apegava ao sucesso do grande cantor para a apresentação dos seus programas de Ibope garantido.
Nelson preso
Em São Paulo, capital, por conta de drogas, Nelson Gonçalves foi preso. Viciou-se em cocaína e não conseguia livrar da droga, embora sua esposa fosse uma abnegada que o ajudava de todas as formas para ser ele mesmo e voltar a ser o sucesso nacional que sempre foi. O arcebispo de São Paulo, Dom Agnello Rossi, junto com Eder Jofre, trabalharam para retirá-lo de trás das grades, realizando uma luta espetáculo, pois Nelson havia sido lutador de boxe. Galvanizou as atenções da capital do estado. Depois da apresentação as autoridades judiciais concederam-lhe a liberdade e ele tentou recomeçar a sua carreira, do zero.
Ribeirão Preto primeira cidade
A primeira cidade do roteiro foi Ribeirão Preto e o local era o aprazível Restaurante do Bosque Municipal, à época dos irmãos Belissimo. Pouca gente, além do repórter, os trabalhadores do restaurante e os donos estabelecimento, que também era um local par se dançar. A contra gosto ele realizou o espetáculo, mas estava fechado e ainda sentindo os efeitos do seu problema. O repórter que escreve esta coluna se apresentou ao artista e pediu que ele desse um depoimento sobre o que lhe sucedeu.
A sua história
Contou quando era sucesso precisava se apresentar em cinco ou seis casas de espetáculos por noite, em cansativas viagens. Certa feita, esgotado, foi subir em um palco em uma pequena cidade e alguém lhe ofereceu cocaína. Ele relutou. Mas usou. No outro dia ninguém mais precisou lhe oferecer. Ele correu atrás. Viciou-se tanto que a sua esposa precisava fechar portas e janelas e lhe cortar o dinheiro. Ele pulava as janelas para furtar leite e pão dos vizinhos para trocar por drogas. Aí ele foi preso e foi para a prisão com todos os bandidos, traficantes e usuários de drogas.
Na cadeia da Duque
Depois de nos conceder entrevista plena de detalhes, no dia imediato, ele me convidou junto com Dr. Byron Brandão para visitarmos a cadeia da Duque de Caxias. Todos os detentos o recepcionaram com aplausos calorosos. Ficaram no pátio e ele, com um violão, sem qualquer aparelho para amplificação de sua voz, cantou suas músicas queridas do povo. A voz penetrava em cada cela e mais ainda em cada alma. Foi marcante.
A música de sua vida
No final da entrevista, no programa “Do Outro Lado da Vida” que era apresentado pela 79 aos sábados às 18 horas perguntei-lhe emocionado: “Nelson, qual a música que traduz toda a sua história”. Sem gaguejar (ele era um pouco gago) respondeu: “Folhas Mortas”. Não havia quem deixasse de chorar. A entrevista foi realizada no antigo Humuarama Recreio Hotel situado defronte à Faculdade de Medicina. Em todos os anos do programa Morandini, Larga Brasa, foi uma das mais reais e emocionantes. A música enfeixou o programa…