João Camargo
No último dia 7 de agosto, uma das ferramentas mais importantes criadas para combater a violência doméstica completou 15 anos: a Lei Maria da Penha. Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações do mundo aplicadas contra a violência de gênero, a lei representa um marco no enfrentamento dessa questão global.
No entanto, em meio a esse marco, a Comarca de Ribeirão Preto já concedeu quase mil medidas protetivas em 2021, de acordo com dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
De janeiro a julho deste ano, foram concedidas 903 medidas, um aumento de 17,7% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para Carolina Moreira Gama, 4ª Juíza Auxiliar de Ribeirão Preto e coordenadora do Anexo da Violência Doméstica e Familiar da cidade, esses dados também devem ser avaliados de um ângulo positivo. Segundo ela, o aumento desses números significa que a questão, que anteriormente ficava “entre marido e mulher”, agora está sendo notada.
“Na verdade, os números escancaram casos que sempre foram de ordem absurdamente alta, mas que a sociedade preferia não enxergar. A cultura de todo um país era outra. Então, nesse ponto, tanto a lei, como a atuação especializada dos operadores do direito e dos responsáveis pela segurança e prevenção, como também a imprensa e a população, mostraram uma incrível evolução na abordagem do tema”, comentou Carolina.
Diante desse cenário, a juíza destacou que a Lei Maria da Penha foi fundamental para uma mudança real e sensível do próprio tema. “Eu mesma me lembro bem do início da minha carreira, em que muitos casos desse tipo se encerravam com o pagamento de cestas básicas. Mesmo porque o Judiciário não tinha ferramenta ou mecanismo para fazer cessar o risco dessa mulher, o que hoje se convalidou nas medidas protetivas, inovação dessa lei”, destacou.
Sobre os inúmeros casos, a juíza ressalta situações que a atingiram de maneira positiva, como quando conversa com autores de violências domésticas que se dão conta realmente de como suas ações podem impactar a vida dos próprios filhos.
“Quando se dão conta de que eles mesmos estão reproduzindo o cenário violento no qual foram criados. Isso é um reconhecimento que acaba sendo muito importante e que nos conduz à certeza de que a violência é uma instituição de mau aprendizado e que por isso mesmo pode ser desconstituída e encerrada”, completou Carolina.
Projeto AmarEl@s
Em Ribeirão Preto, alguns projetos são realizados para debater e conversar sobre os traumas e vivências das mulheres vítimas de violência. Um deles é o AmarEl@s. Nele está reunido um conjunto de profissionais, como facilitadores de práticas restaurativas, terapeutas, psicólogos, psicanalistas, advogados e artistas.
O projeto AmarEl@s foi criado para oferecer diversos serviços de atenção à violência doméstica em Ribeirão Preto, incluindo atendimento às mulheres, homens, crianças e demais afetados direta e indiretamente.
“O AmarEl@s surgiu da necessidade de indicarmos à sociedade civil quais são os meios ou vias disponíveis à população que, em comunicação ou rede como Judiciário e com a segurança pública, podem auxiliar naqueles tipos de conflitos”, finalizou a juíza.
Para quem se interessar em buscar por mais informações sobre o projeto, basta entrar em contato por telefone, (16) 99287-6817, ou email: [email protected].
Violência contra mulher em SP
Em todo o estado de São Paulo foram registrados 25.366 casos de lesão corporal dolosa e 86 casos de feminicídio nos primeiro seis meses do ano, segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), com base nas ocorrências de Boletim Estatístico Eletrônico (B.E.E.).
Segundo a coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) de São Paulo, Jamila Jorge Ferrari, em meio à pandemia, as medidas de isolamento social despertaram a atenção das autoridades no mundo todo pelo risco de aumento de violência doméstica.
O convívio com os agressores e a dificuldade das vítimas em pedir ajuda aumentaram a vulnerabilidade e a possibilidade tanto de novos casos como de subnotificação. Em função disso, a coordenadora ressalta que, quando surgiram as primeiras notícias da pandemia, a Polícia Civil de São Paulo acelerou o processo de atualização dos serviços oferecidos pela Delegacia Eletrônica e, no início de abril do ano passado, ampliou o atendimento virtual, inclusive com a criação da DDM Online.
“Essa medida facilitou muito o acesso das mulheres aos serviços de segurança. Até o final de 2020, a DDM Online registrou mais de 16 mil ocorrências. Todas as delegacias de São Paulo, incluindo as DDMs, seguem funcionando normalmente para atender as vítimas de violência doméstica”, comentou Jamila.
Ainda de acordo com a SSP, diante desses índices, o combate à violência contra a mulher é uma pauta institucionalizada há várias gestões. Atualmente, o Estado conta com 138 DDMs, sendo 10 com atendimento 24 horas.
Também existe o SOS Mulher, aplicativo que prioriza o atendimento às vítimas com medidas protetivas, produz campanhas de conscientização e criou uma cartilha com orientações sobre os tipos de violência e como agir para se proteger.
Desde agosto de 2020, as DDMs atendem exclusivamente ocorrências em situação de violência doméstica ou familiar e infrações contra a dignidade sexual praticadas contra pessoas com identidade de gênero feminino e contra crianças e adolescentes. A rede de DDMs paulista ainda passou a atender casos de acordo com a identidade de gênero definida pela vítima, não em função do sexo biológico registrado no nascimento.
Maria da Penha
A Lei Maria da Penha e o Programa Patrulha Maria da Penha foram batizados em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes (foto), que sofreu violência doméstica durante 23 anos, inclusive duas tentativas de homicídio em 1983. Apesar dos fatos comprovados, Maria da Penha enfrentou uma batalha jurídica para buscar punição ao marido, que se utilizou de brechas na legislação para protelar o processo.
Em função desse caso, foram criados no Brasil novos dispositivos legais, como a Lei 11.340, para garantir maior eficiência e agilidade na punição e, con sequentemente, na prevenção dos casos de violência doméstica e familiar.