Feres Sabino *
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Durante toda minha vida, nunca soube definir a minha reação diante da venda ou desaparecimento de uma empresa privada, que tinha raízes na cidade.
Senti-me, ainda jovem, lesado como se tivesse parte naquela sociedade. Ao menos, em duas ocasiões, que se repete quando destroçam a Petrobrás, vendem a Eletrobrás e privatizam a Sabesp, todas empresas lucrativas, cujos lucros poderiam abastecer as políticas públicas.
Foi assim que me senti, quando a Companha Cervejaria Paulista foi vendida. Essa sensação não era por causa do guaraná delicioso que ela fabricava, ou pela famosa cerveja preta, a Niger. Era algo assim quase umbilical.
De igual maneira, e ainda mais forte, foi a lesão causada pela venda da PRA-7 do “seo” Bueno, que construiu o prédio ali naquela esquina, como emissora de vanguarda e famosa no interior do país, e que tinha um auditório que recebia os parlamentares federais, lembro-me da Frente Parlamentar Nacionalista, cujos deputados vinham ali discutir problemas reais do país, o que alimentou a conformação de minha consciência política e cidadã.
O Brasil tinha uma inteligência que revelava algumas descobertas e pensava um projeto e o futuro da nação. Por exemplo, soube que as areias monazíticas das praias do Espírito Santo eram “roubadas, com a desculpa que a estabilidade do navio estrangeiro dependida daquele calado. Foi objeto de CPI, tendo como relator Dagoberto Sales, do partido do Ademar. Hoje, a utopia regressiva faz apologia da ditadura, ignorando sua estreiteza e sua violência macabra.
Agora, quando a campainha da minha casa tocou, para me entregar um volume primoroso da celebração de 120 anos de existência do Grupo Santa Emília, nascido da reestruturação da Diederichsen, a minha reação é diametralmente oposta.
A fluente narrativa do livro do presidente, agora do Conselho, Rui Flavio Chúfalo Guião, ilustrada por fotos inesquecíveis, surpreende-me fazendo emergir o sentimento de admiração e até de parceiro orgulho. O seu crescimento, que foi se diversificando, em vertentes comerciais bem-sucedidas, esparramadas por outras cidades, mostra como uma empresa majoritariamente familiar absorveu na sua trajetória, e na medida correta, pessoas que se somaram ao crescimento que foi acontecendo, acontecendo, até chegar a esses 120 anos de idade. É por isso que revela como um critério da invejável prosperidade da empresa o seu maior acervo: que são as pessoas. Ele confessa: “Para isso trabalhamos para que ela seja uma comunidade e um centro de desenvolvimento de pessoas, permitindo que elas cresçam como profissionais, cidadãos e indivíduos”.
Impressionou-me sempre a maneira como a ali família se juntou para ocupar os cargos diretivos, e particularmente a maneira como os filhos foram preparados para a sucessão dos mais velhos, que longe de chegarem de repente, prepararam-se no trabalho para continuarem a construção do que assumiram ou do que, um dia, assumirão quando os pais, ainda na ativa, decidirem se afastar de vez e para sempre.
Quando digo que o sentimento é oposto daquele que confessei, em relação aos fatos acontecidos em priscas eras, é porque também nessa comemoração de 120 anos, o Grupo Santa Emília traz a sua direção o Rui e a Cecília, que os conheci, ainda no Ginásio do Estado, sendo que os vi desde namorados, casados, e pelo resto da vida.
O Rui Flávio, filho único, mereceu de seus pais a atenção e o cuidado que se dedica ao filho único. A linha familiar era de advogados, e ele se preparou, intelectual e culturalmente, para ser não só advogado, porque poderia escolher qualquer outro espaço de trabalho, ou carreira, que estaria preparado para ter sucesso e vencer.
Por sua vez, casado com Cecília Pena de Barros Cruz e Guião, ele foi arrastado a ocupar uma função na empresa que fora Companhia Comercio e Indústria Antonio Diederichsen, e ambos seguramente com a forma dialogante de administrar, fizeram a complementação da idade do Grupo, agora denominado Santa Emília.
Seu fundador Antônio Diederichsen, era homem de firmeza e determinação, e seu coadjuvante Manuel Penna não deixou por menos o valor de sua contribuição, e é dele a frase que anuncia o que a experiência lhe ensinou, oferecendo-a ao autor, Rui Flávio, logo na abertura de seu livro, como uma antevisão da maneira como um patamar empresarial foi transferido para outro, sucessivamente: Diz ele —- A vida é uma constante transferência.
Minha convivência com o Rui, iniciada nos bancos ginasianos, foi muito próximo durante todo o curso de direito, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, quando moramos em pensão e depois em apartamento.
Sempre disse que somos tão diferentes que com essa convivência prolongada aprendi a respeitar os diferentes e as diversidades. Diferentes que somos.
Por isso e por tudo, é bom saber que uma data tão expressiva—–120 anos do Grupo Santa Emília— tem hoje no seu Conselho não só pessoa competente, preparada para o que foi e é a sua governança empresarial, mas fundamentalmente um amigo-irmão, que venceu exemplarmente, como chefe de família, empresário e cidadão.
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras