Cerca de 40 moradores de rua que ocupavam a praça Francisco Schmidt, na avenida Jerônimo Gonçalves, ao lado da Unidade Básica e Distrital de Saúde (UBDS) Central, acordaram na manhã desta quarta-feira, 8 de agosto, diante de agentes da Guarda Civil Municipal (GCM). Eles foram os primeiros integrantes da força-tarefa a chegar ao local para uma operação conjunta da prefeitura com entidades da sociedade civil e Polícia Militar. O objetivo é encaminhar estas pessoas para atendimento social e revitalizar o espaço público. Coordenada pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), a operação foi precedida de oito reuniões entre a prefeitura, Polícia Militar e entidades que fazem o atendimento dessas pessoas em situação de rua, seja distribuindo alimentos e roupas, ou por meio de outros tipos de ações e doações. Além do cadastramento, os 40 moradores também foram direcionados para os serviços de acolhimento existentes no município para emissão de documentos, cadastramento para ingresso em clinicas de recuperação de dependentes químicos ou retorno para as suas cidades de origem.
Fonte serve como dormitório
Além da limpeza e da retirada de material como colchões que ficam espalhados pela praça, um dos principais alvos da operação foi a fonte luminosa que existe na praça, mas está abandonada. Os moradores de rua a utilizam como dormitório e banheiro público. Vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Tibério e Adjacências (Amovita), o jornalista Fernando Braga defende a retirada do equipamento para evitar que os andarilhos e usuários de droga voltem a utilizá-la como sanitário.
“O mau cheiro causado pelas fezes nas proximidades da praça é insuportável”, explica Braga. Para ele, a doação de alimentos pelas entidades assistenciais da cidade, a maioria ligada a igrejas, também deve ser revista, pois incentiva os moradores de rua a continuarem no local. O fornecimento de alimentação, aliás, deve ser resolvido dentro de alguns dias. Para unificar esta distribuição em um único local, a Semas está reformando parte de um galpão da antiga Ceagesp, na avenida Bandeirantes, para implantação de uma central de distribuição. O espaço ficará anexo ao Banco de Alimentos da prefeitura, que funciona no mesmo galpão.
Além da alimentação, os moradores em situação de rua poderão tomar banho neste galpão, graças a doação feita pelo Rotary Club de Ribeirão Preto de um trailer denominado “Banho de Vida”. Dotado de dois banheiros – um masculino e um feminino –, possui chuveiros com água quente alimentado por gerador de energia, uma pia externa para higiene bucal e reservatório de água com capacidade de reservação de mil litros.
Segundo o secretário municipal de Assistência Social, o vice -prefeito Carlos Cezar Barbosa, com a medida, além da centralização, será possível uniformizar o atendimento. “Estamos implementando uma série de ações e firmando a presença do Estado nesta região da cidade. Assim será possível revitalizarmos a região da Baixada”, explica. O secretario revela também, que haverá no galpão da Ceagesp uma sala especialmente montada onde estas pessoas poderão assistir a filmes e palestras sobre reinserção social. “Nosso objetivo é dar uma oportunidade de reinserção para aqueles que desejarem e transformarmos a Praça Schmidt em um local de lazer e atividades esportivas e culturais para a população”, completa.
Policiamento 24 horas
Para evitar que a praça Francisco Schmidt continue servindo como local de tráfico e consumo de drogas, a Guarda Civil Municipal e a Polícia Militar se revezarão no patrulhamento. A GCM será responsável pelas rondas diurnas e colocará no local o ônibus da corporação com três servidores, além de uma viatura com mais dois. Já no período noturno o patrulhamento caberá à PM. Segundo o diretor operacional da Guarda Municipal, Domingos Fortuna, o trabalho na praça será de policiamento ostensivo. “Vamos inibir o tráfico e o consumo de drogas e com isso inibir a presença de desocupados no local”, explica.
De funcionário da Antarctica a morador da Praça Schmidt
Antonio Donizetti dos Santos tem 55 anos e tenta ganhar a vida como guardador de carros na avenida do Café, na Vila Tibério. Como dificilmente consegue o dinheiro necessário para pagar o pernoite num dos hotéis da região da Baixada, se transformou em morador de rua e na maioria das noites é obrigado a dormir num canto qualquer da praça Francisco Schmidt.
Natural de Sertãozinho, mas há muito tempo em Ribeirão Preto, ele foi casado – amasiado – durante 20 anos e se tornou pai de sete filhos, criados, segundo ele, na Favela das Mangueiras. De lá a família saiu para apartamentos construídos para moradores da comunidade, na avenida dos Andradas, no Parque Ribeirão Preto. Nesta época ele já estava separado da esposa.
A mudança, contudo, não melhorou a vida de Antonio. Após ficar desempregado e, segundo ele, cansado de ser cobrado por não ajudar nas despesas da família, decidiu sair do apartamento da filha e do genro. Nesta quarta-feira (8), durante a operação da prefeitura, ele aguardava ansioso para ser atendido por assistentes sociais. Seu objetivo era conseguir, com a ajuda do poder público, um emprego.
Quer completar o tempo de contribuição necessária junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para se aposentar. Ele tem cerca de 20 anos de contribuição e o tempo mínimo exigido por lei são 25 anos, no caso dos homens. Diante da impossibilidade de um emprego, neste momento, ele espera ser incluído no Programa Bolsa Família e, assim, ter alguma fonte de renda para tentar sobreviver.
Enquanto era orientado por uma assistente social da prefeitura, relembrava a época em que trabalhou, por vários anos, na Cervejaria Antarctica, hoje desativada, localizada ao lado da praça que lhe serve de dormitório. “Eu era carregador de caminhão da fábrica e era muito feliz. Só preciso de uma chance para recomeçar”, desabafa Antonio. Ele diz que não bebe e nem usa drogas.
Ribeirão Preto tem mais de três mil moradores de rua
Segundo levantamento divulgado em julho no Tribuna e realizado pelo Instituto Limite, que promove o Serviço Especial de Abordagem Social (Seas) para a Secretaria Municipal de Assistência Social, Ribeirão Preto tem cadastrados 3.405 moradores de rua, dos quais 2.861 oriundos de outros municípios. O estudo revela também que a região com maior concentração é a da Baixada, onde foram cadastradas 2.751 pessoas. Isso não significa, contudo, que este contingente permaneça fixo naquela área.
Tentar entender os motivos que levaram tantas pessoas para as ruas e estabelecer vínculos com eles é o trabalho do Instituto Limite. Segundo o gerente Isaias Cruz de Oliveira, apenas três de cada dez moradores de rua abordados se mostram dispostos a deixar as ruas. Neste trabalho de convencimento, o poder público conta com a ajuda de alguns abnegados, como o empresário Ricardo Tostes, que divide seu tempo entre sua empresa e o projeto Mudando Vidas, criado por ele há quatro anos.
Ex-dependente químico ele decidiu criar a casa por perceber que não existia apoio para os ex-dependentes que deixavam os centros de reabilitação. “Eu percebi esta situação e decidi que iria fazer algo para evitar que, depois do tratamento, por falta de apoio o ex-dependente acabe voltando para a rua”, explica. Pelo Mudando Vidas já passaram mais de 150 pessoas que decidiram sair das ruas ou abandonar a dependência química.
Lá, eles tem todos os documentos pessoais legalizados e são cadastrados para uma vaga nas clinicas de reabilitação e no Programa Recomeço do governo estadual. Após o tratamento muitos voltam para o projeto para serem encaminhados para um emprego. Segundo o secretário de Assistência Social, Carlos Cezar Barbosa, o Recomeço tem se mostrado vitorioso no caso de Ribeirão Preto. Quatrocentas e quarenta pessoas já foram encaminhadas para clínicas de recuperação graças ao trabalho feito pelo município em parceria com o programa.